sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

o lado frio da noite

iria sempre
pelo lado frio da noite
que tu iluminaste

despiria as pétalas
no refúgio mortificado da tua voz
sem nome

chamar-te-ia ainda
se reconhecesse nas mãos
as palavras simples da música
que não foi nossa

é nesse esgar que fragilizo os meus ossos
condenados aos passos circulares do adeus
que finalmente disse

terça-feira, 13 de novembro de 2007

com chuva...

ansiaste pela lava incandescente
a aquecer-te o peito?
a porta para a lucidez das águas?
as possibilidades sem renuncia?
o desejo que não cessa?
a inocência por estrear?

trouxeram-te a culpa
na cinza húmida
de um ritual extinto


imobilizaram-te na certeza
de seres apenas mais um
a poluir este magma espesso
sulcado de memórias
não recicláveis
que carregas
ao ombro erosionado do remorso
de olhos continuamente abertos
pelo esgotamento
do desencontro cíclico
das pálpebras

o que pretendes alcançar
na exploração irracional
da ausência?

talvez um dia possas
permanecer longe das tuas
eternas dúvidas…

talvez um dia possas
chegar
e partir
com chuva, música e tudo…

sábado, 11 de agosto de 2007

tatuagem

aguardo
a imprevisivel liquefacção
dos corpos entardecidos

a desintegração das mãos abauladas
no crepúsculo

anseio a hora em que desponta
o apelo tangencial dos lábios
para sofregamente tatuar
o plasma primordial
mais inacessível da tua pele

ficaram por dizer

nos meus sonhos
ficaram por dizer
as últimas palavras da incerteza,
o chá, o ocre, o sabre,
o porvir da nossa infância...

neste caminho circular
escolhi o canto mais oblíquo
- junto ao mar...

não é aqui

não é aqui que moro
nem nas secretas escarpas
onde vomitam os corvos

escolhi a fragilidade nocturna das estrelas
o anis húmido do teu sangue
o limbo vertiginoso das asas

para onde partiremos esta noite...

renuncio

despenteio papoilas presumidas
vermelho escorrido em saltos altos
renuncio à lucidez das pétalas
à acidez essencial
do pólen
veneno subcutâneo insinuando
a pele entreaberta
nos poros de malentendidos

renuncio à verdade

renuncio à verdade da cal
no frio dos tornozelos

segunda-feira, 30 de julho de 2007

estou de ouvidos

a tristeza
a solidão
a frustração
vão à psicoterapia
engolem pastilhas
que desligam dessintonias
recanalizam as más energias
purgam o pensamento

partilham-se mágoas
contra-cronómetro
queimando as horas
compradas avulso
aos ouvidos descartáveis
de uma disponibilidade
de aluguer

é urgente
que se ressuscite
o vulgar desabafo

... de preferência à borla!

- peço desculpa, estou a tomar-lhe o seu tempo?

o fixo

que é feito do fixo
imóvel
ligado à corrente
toque único
não vibrátil
não estéreo
partilhado por todos
num espaço comum?

quem é que diz:
-é engano...
-ele não está...
-quem atende?
-não é para mim!
-se for para mim, não estou.

hoje é tempo
de cada um ter um número
pessoal-intransmissível
intransponível
de dar toques
de rejeitar os desavindos
de seleccionar
de individualizar
a gosto
a tacto...

-silenciados a bem da Nação!

já é tempo de voltar
a ouvir vozes
neste telefone
fixo
imóvel
partilhável
por Todos nós!

...

deito-me na curva
do teu olhar
esperando
reencontrar-te
num beijo

horas

curvo-me em cada espera
de momento antecipado...

dissolvo-me nas horas e esqueço
que também eu existo
também eu exijo
que me esperem
que me procurem
para além das horas
insolúveis
do desespero...

quarta-feira, 25 de julho de 2007

maré de esquecimento

tudo foi interdito.
as portas e as janelas de água
foram encerradas sequencialmente

já não tenho saída para o Mar.

nos barcos, as redes húmidas permanecerão
estendidas à superfície até que se escoe
toda a ilusão

todos os medos escamados da cortina de prata
serão cerimoniosamente afundados
num ritual fúnebre

as memórias que boiavam na maré em atraso
ficarão fielmente amarradas ao cais
e só o faroleiro me poderá restitui-las

as velas do esquecimento serão uma última vez içadas
um vento soprará num apelo desesperado
violentar-me-á... arrastando-me para dentro do barco

prosseguirei nesta viagem obrigatória
sem hora marcada
sem retorno

e é em terra que o faroleiro me espera...

mas não é para terra que seguirei!

palavras interditas

são gritos?
são asas em fuga o que ouço bater?
ou são os teus passos de regresso
para sempre adiado?

escuto

não é silêncio

é apenas a evocação
das palavras que jamais te direi

?

quantas pálpebras de peixes se encerram
contra a obliquidade das algas que
escorregam da súplica dos teus lábios?

fim

no sulco do teu olhar demoro-me
derramo as pálpebras lascivas
hasteando a senilidade
dos corpos perpetuados
ao sul da necessidade
para além do silêncio
dos ossos

terça-feira, 10 de julho de 2007

ainda

na saliva espessa da madrugada
encrostaram-se os despojos das lágrimas
mortificadas

ainda sinto,
para além das veias húmidas,
o metal agudo das estrelas rectificadas
celebrando a dúvida intacta

sombra

não compreendo.

continuo sob as copas das árvores e elas
já não dão os mesmos frutos
o seu odor já não me conduz
à revisitação do passado
e em cada passo que dou
procuro a sombra
desse astro dourado

a sombra não é a mesma

a sombra deixou de ter as raízes cravadas
na terra

a sombra é um corpo de mulher
fossilizando a dor
de ramos em suplica
por um último abraço
impregnado de verde

...e florindo

espera

um dia subirei
a madrugada impermeável das palavras
inomináveis
e refugiar-me-ei
no espólio persuasivo
do silêncio

encontrarei na esquina enviesada
dos gestos,
a promíscua consanguinidade
da linguagem
- a verdadeira simbiose
do intelecto

saciarei a pele fissurada
do deserto
onde escavo valas de ausência
e abro as portas dissociadas do tempo
sem chaves de memória
nem fechaduras de saudade

escondo as mãos suadas
nas algibeiras dos sonhos

e parto para o canto mais esquivo
do oráculo
- a espera

adeus

abandonaste as palavras

e os gestos
- os que ficaram -
não chegam para construir um abrigo,
um sonho,
uma memória...

só os guardo para saber
onde não mais desejarei voltar

do branco

ficaram por dizer
as palavras coalhadas do silêncio
o último sangue vertido
na direcção do Sal
do branco utópico
- inatingível
acusam-nos da economia
das palavras
da contenção dos gestos,
de ritualizarmos os encontros
ignorando o tempo...

...esqueceram-se
que temos a vida toda
para nos conhecermos

segunda-feira, 9 de julho de 2007

do sul

apenas sal
oferecendo corpo às lágrimas,
tempêro de m´águas
deste caldo submerso
onde ensaio a tua ausência,

onde te reconheço sem incertezas
embriagando os medos,
colhendo da espuma a flôr dos beijos,
coando a lama
que me entope em silêncio

quem dera ser Sal
mais sal
ao Sul
da tua boca