quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

magnum

é no horizonte que procuro
a febre sintonizada
nos graus alinhados da assepsia

da antecâmara do Éden
anuncio a insanidade
da pólvora
o pó que à míngua hostilizou
os estilhaços dissecados
na cicatriz da culatra

é no horizonte que a precisão
da mira se submete
à detonação das sinapses
no ardor do gatilho

em uníssono, as feridas
vocalizam o timbre da explosão
- a fragrância, o fumo, a luxúria
o projéctil disparado
na hesitação do arco órfão
do meu peito

domingo, 20 de janeiro de 2008

o jogo do medo

hoje sigo
a fragilidade hirta
das raízes
o verde hipnótico
a tensão imóvel do silêncio

o regresso foi adiado
num passo atáxico,
sincopado

espera elíptica
em cada lâmina
de água turva
- quase lama
de onde tento erguer-me
sem lágrimas

aceito o desafio
das incertezas
- véu cíclico de sombras

e o medo para quando?

mute

foi-me negado
o improviso dos sons
a vibração dos sentidos
num arco de pele
desafinada

não toco

escuto apenas
o ruído tenso das mãos
que se afastam
- uma música suspensa
num compasso de língua
húmida

sábado, 19 de janeiro de 2008

à la carte

resta-me apenas
um prato incógnito e raso

no futuro
servirei as lágrimas
demolhadas de véspera
-sem sal, sem agonia

mal passado,
o mistério
- em sangue
do dia

quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

a maçã

lábios descaroçados
colheram suspiros
um a um
na horta do paraíso

enraizaram silêncios
na pele respigada,
estéril
- enxertia de serpente

fosse eu maçã
desfolharia ósculos
num pecado líquido de cerejas
... sem casca

terça-feira, 15 de janeiro de 2008

sereia

corpo subtraído
ao sangue
na areia ensalivada

mar esbugalhado
contra a sensualidade
das escamas

promoção de espinhas ancestrais

lirismo de peixe...
- quase sóbrio

segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

outro caminho

poderia o vermelho
ainda ser lama
se a água não despisse
o leito insalubre do desejo?

poderia a lama
ainda ser corpo
se o sangue não escorresse
das lâminas que esventraram as súplicas
dos teus náufragos?

poderia este corpo ser caminho,
o branco alma
se não fosse esta a pele onde me encerro,
onde pernoito sem hora,
onde expurgo a seiva dos dias desconhecidos?

poderei ainda ser vida
breve,
quando escolher partir
noutro caminho?

quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

mais alto!

gritaria eu mais alto
não fossem tão estreitas
as vozes desta rua

não fossem as tuas mãos
de adeus
ecoarem de cada esquina
em silêncio

não fosse esta a música
a ressoar nas cordas
que desafi(n)o
em violência

não fosse este o beco
onde me sento e calo
onde respiro e choro
onde me acalmo

... e vou morrendo